
Botelho
O retrato da artista enquanto jovem adulta começa com uma afirmação assertiva que faz quando lhe perguntam quando começou a interessar-se pela produção artística: “sempre”, porque “não gostava de mais nada, só gostava disto”. Não por exclusão de partes mas porque desde criança o desejo de fazer era demasiado forte e assim se manteve ao longo dos anos formativos, desde sempre. A disciplina preferida foi uma única, a de educação visual. A expor desde 2018, Proganó foi nomeada finalista do Prémio Fundação EDP Novos Artistas, em 2022.
Talvez por causa desta descoberta de uma vida, em criança, o seu trabalho aborda de forma natural o universo infantil, e os seus dados biográficos giram num movimento nostálgico pelo tempo contemporâneo, através de uma figuração que é ao mesmo tempo, segundo a curadora e investigadora Lígia Afonso, “sofisticada e ingénua, espontânea e controlada, cândida e violenta”. Esta duplicidade vive em pleno dentro das suas obras, e a artista jovem adulta age com a sapiência de uma criança, de cada vez que entra no atelier e escolhe o desenho que vai pintar.
Para a artista o processo é inconsciente e movido por afectos e instintos. A liberdade de escolha dos seus temas demonstra o que uma artista deve ser e fazer – exercer a sua liberdade de criação numa questionação repleta de mundo. Este universo de “desenho animado” de Proganó, existe movido pelo o que a sociedade chama de provocações. Esses temas vivem numa luta dentro do espaço da pintura, num cruzamento entre uma possível inocência, e a compreensão das realidades da idade adulta.
A sua prática diária de atelier é movida, por exemplo, pelo desejo supremo de pintar uma pêra ou uma miúda a dar uma cambalhota, ou se esse desejo não está lá, tão imediato, inicia a prática do desenho para encontrar e investigar o tema de uma nova pintura. O seu imaginário é o resultado da sua experiência e de tudo o que a rodeia, como parece claro, mas o resultado é, “um mundo de eventos exuberantes, feéricos e dinâmicos, em cromatismos vibrantes e psicadélicos”, que “testemunham a alegria de um espírito livre e a excitação do fazer de uma pintura viva”, nas palavras de Lígia Afonso.
Entre 2013 e 2017, formou-se na ESAD das Caldas da Rainha, experiência à qual atribui importância, já que não é a capital, e por isso exerce menos pressão e dá mais liberdade. Foi nas Caldas que experimentou instalação, performance, escultura, animação, cerâmica. Mas foi durante o programa Erasmus (2018-2019), na Accademia di Belli arti em Veneza, que Proganó resolveu escolher pintura por não ter ainda enveredado por esse suporte em âmbito escolar. Daí até agora, nunca mais parou. A pintura tornou-se (por enquanto) o seu suporte primordial, o sítio onde se sente mais confortável, e quando vai trabalhar para o atelier é isso que “sabe que vai fazer”. Mas quando esta não serve, as suas obras tomam outros suportes, e quando se faz uma exposição individual, a totalidade do espaço é considerada. O chão da exposição individual Garden (2018, Lehmann Silva, Porto) era de relva artificial, e continha um “portal”, assim como vasos usados como suporte de telas. Em Bad Behaviuouor, (2019, Galeria Boavista, Lisboa), os visitantes andavam por cima de uma quadrícula azul e branca, onde encontravam algumas “peça de chão”, como um tapete sintético ilustrado com o jogo da macaca, ou uma escada azul algo peculiar.
A linguagem percorre a sua obra, mas quando confrontada com este uso a artista escolhe não pensar, precisa primeiro de fazer, escrever se lhe apetecer, e depois talvez ficar surpreendida pelas interpretações do público, dos outros. Sobre a maneira como realiza as suas figurações, no pensamento crítico e na história da arte inseridas no movimento da bad painting, a artista declara: “eu quero é fazer uma boa pintura, não me interessa se aquilo está bem feito”. Podemos acrescentar aspas a essas duas últimas palavras, “bem feito”.
A posição que tomam os corpos que habitam as suas pinturas talvez possam ser animados pelo gosto geral pela dança e pela performance, e por um interesse antigo por coreógrafas como Pina Baush. No âmbito da exposição Bad Behaviuouor, em 2019, Proganó apresentou uma performance-instalação sonora, intitulada Blá, blá, blá, em que um som criado pela artista ditava a ação de 8 minutos de um bailarino, Eduardo Ferreira, que no final saía porta fora com uma das obras da exposição. Os corpos de Proganó abrem as pernas, e bebem leite com a língua. São corpos de animais. São corpos muito vestidos ou de cuecas, e são corpos que se entrelaçam uns nos outros. São corpos que choram. “Os nossos corpos estão cheios de poder, e mais do que isso, o seu poder não é apesar mas por causa da manifestação das suas vulnerabilidades” (Olivia Laing, Everybody, A Book about Freedom).