Cordovil
Maria Lamas
Maria Lamas diretora, jornalista e editora, Maria Lamas escritora, poeta, e intelectual Maria Lamas, antifascista, defensora da paz e dos direitos humanos, Maria Lamas e as mulheres do seu país. É uma figura fundamental da história de Portugal do século XX. Vale a pena nomear tudo o que Maria Lamas fez, por nós. Escolher apenas uma ou outra atividade de entre tantas, é sempre uma redução.
Lamas foi tudo isto e mais, e por isso serve este texto para trazer à luz o trabalho pioneiro que fez a nível da fotografia na reportagem ímpar – As Mulheres do Meu País, um livro editado em fascículos mensais, fruto de um período exaustivo de três anos de viagens que Lamas fez sozinha por Portugal (1947-1950), documentando através de textos e imagens, a mulher portuguesa e o trabalho, e a exploração a que esta era sujeita. Este livro é um estudo “onde se cruzam vários processos metodológicos de investigação jornalística, sociológica e antropológica”, afirma a jornalista Maria Antónia Fiadeiro, na biografia que escreveu sobre Lamas em 2003.
Fiadeiro refere também a razão de às mãos de Lamas ter ido parar um “caixote Kodak”. Encontrar imagens das mulheres e regiões que ia percorrendo, afirmou-se como “uma das maiores dificuldades que encontrou, pois queria-as ‘verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas’”, anunciando a seguir, “‘resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa, completando assim as falhas’”. Fiadeiro conclui, “a simplicidade de um pioneirismo que merecia maior divulgação e realce”.
Desde o início do século XXI, várias personalidades da cultura, têm chamado atenção ao seu trabalho fotográfico. Para além de Fiadeiro, a curadora Helena de Freitas escolheu incluí-la na exposição Tudo o que eu quero (Fundação Gulbenkian, 2021), e o crítico Alexandre Pomar integrou o seu trabalho na fotografia Neorrealista portuguesa, declarando que as suas imagens da mulher portuguesa “devem ser vistas como uma grande aventura fotográfica, com um sentido de documentário social, de denúncia e de esperança ou optimismo que tem de ser associado ao Neorrealismo, como uma contribuição muitíssimo original”.
Em 2009, Jorge Calado inclui as suas fotografias na exposição, Au Féminin. Women Photographing Women 1849-2009, no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, em Paris, e mais tarde na Dubai Photo Exhibition 2016 − A Global Perspective in Photography (2016).
As fotografias que Maria Lamas tirou com o tal “caixote Kodak” podem ser estudadas, ampliadas e de muitas formas separadas do contexto do livro para o qual foram feitas, porque para além da qualidade das imagens, Lamas de forma percursora, “rompe com os modelos oficias de caracterização folclórica e pitoresca da população trabalhadora feminina”, nas palavras da curadora e investigadora Emília Tavares. Mas é também este facto, segundo Tavares, que permite à autora “desenvolver uma via ideológica documental muito particular, sobretudo, no que diz respeito à articulação de imagem e texto”.
Uma das primeiras mulheres a exercer a profissão de jornalista em Portugal (foi, entre muitas outras coisas, diretora do suplemento Modas & Bordados de 1928 a 1947), e como se isso já não bastasse, uma fervorosa defensora dos direitos das mulheres, no sentido pleno da palavra — uma ativista antifascista, uma lutadora pelos direitos humanos. Foi pela sua força, a par de outras feministas de segunda geração, que hoje a mulher Portuguesa tem a escolha de viver com dignidade, e ser independente moral e economicamente: estudar, votar, trabalhar.
A influência de Maria Lamas permanece coesa e firme como o seu trabalho e a sua luta, como mulher que deu tanta visibilidade a outras mulheres. É importante fazer referência a duas, das muitas, herdeiras de Lamas, que têm com orgulho e perícia continuado as suas lutas: a jornalista Maria Antónia Fiadeiro (n.1942), autora da biografia de Maria Lamas editada pela Quetzal em 2003, e de tantos outros textos sobre mulheres artistas e artesãs; e a realizadora Raquel Freire (n.1973), que dirigiu Histórias das Mulheres do Meu País, uma trilogia que acompanha 12 testemunhos de vida e resistência de 12 mulheres portuguesas, que estreou em 2021 na RTP.
Em Agosto de 1974, numa reportagem televisiva, já num país em liberdade, Maria Lamas explica como começou o seu interesse pela política de forma limpa e clara: “Quase sem dar por isso. Sempre me interessei por tudo o que se passava no mundo. Os acontecimentos desenrolavam-se, as guerras sucediam-se, e comecei a reparar melhor na vida à minha volta e senti um grande desejo de conhecer melhor e aprofundar os problemas do mundo em que vivia. E compreendi que isso era impossível sem a luta, estávamos numa época terrivelmente dura, com o fascismo em pleno poder, de maneira que decidi-me a lutar pela democracia, pela liberdade, pela emancipação dos povos, e em especial da mulher. Foi natural, sem dar por isso encontrei o motivo”. Poderia e deveria ser a explicação do interesse de qualquer um de nós pela vida em sociedade.