Ana Hatherly E um Oceano2

Ana Hatherly

Porto, 1929 – Lisboa, 2015

O percurso vasto e múltiplo de Ana Hatherly desdobra-se entre as artes plásticas e a poesia, a televisão e a edição, o ensino e a investigação, a performance e a tradução. Dir-se-á, porém, que o seu trabalho começa sempre pela escrita, assumindo-se como uma escritora “que deriva para as artes visuais através da experimentação da palavra”; começando também, paradoxalmente, pela pintura, como uma pintora “que deriva para a literatura através da consciencialização dos laços que unem todas as artes”.

A fluidez disciplinar caracteriza o estudo e a experiência contínuos e mesclados da escrita de Hatherly, quer ela seja “dita, impressa, manuscrita”; arcaica, barroca, oriental; tese, ensaio, poema ou desenho. Escrituras-plásticas, desenhos-escritas, textos-imagem, manchas-signo, as suas obras resultam de um jogo infinito de manipulação da linguagem e da sua forma.

O trocadilho, a repetição, o código, o labirinto e a cópia são alguns dos recursos lúdicos usados pela “mão inteligente” e crítica da artista, gerando ambiguidade, conflito interpretativo, desvio de referência e alteração de sentido. São disso também exemplo os cartazes políticos arrancados às paredes após a revolução democrática portuguesa, cujo rasgar, colar e sobrepor confunde, transforma e liberta a própria mensagem revolucionária.

Lígia Afonso
[Plano Nacional das Artes e Fundação Calouste Gulbenkian]
Curadora, professora e investigadora nascida em Lisboa em 1981
Texto originalmente escrito para a plataforma Google Arts & Culture a propósito da exposição “Tudo o Que Eu Quero, Artistas Portuguesas de 1900 a 2020”, comissariada por Helena de Freitas e Bruno Marchand
Retrato
Arquivo Municipal de Lisboa PT/AMLSB/ANA/000153