
Marcelino
O desenho tem sido a estrutura da obra de Paula Rego, desde a figuração ingénua dos anos de formação na Slade School of Art às colagens políticas sobre um país em ditadura, dos acrílicos narrativos aos pastéis de grande formato, dos estudos a lápis e aguarela às gravuras a água-forte e água-tinta.
A linha de pesquisa permanente da artista é a reinvenção imagética da literatura de autores como Charlotte Brontë, Eça de Queiroz, Franz Kafka, Hans Christian Andersen ou Martin McDonagh, pretendendo “integrar esses contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência pessoal através da pintura”. Com base nessas histórias – contos tradicionais ou de fadas, romances ou textos de teatro – Rego constrói uma linguagem figurativa profundamente original.
Os modelos para os protagonistas das ficções pictóricas de Rego são pessoas do círculo íntimo da artista ou “bonecos” tridimensionais, infantis e grotescos, produzidos por si própria e integrados em cenários simbólicos e fantasistas.
Tomados da observação direta, os modelos materializam a expressão de sentimentos e traumas individuais, mas sobretudo coletivos e femininos, nomeadamente na chamada série “Aborto”, manifesto político a propósito do primeiro referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez em Portugal. Os seus quadros vivos propõem um assombroso retrato da sociedade contemporânea e, simultaneamente, da própria natureza humana.