rosa carvalho e um oceano

Rosa Carvalho

Lisboa, 1952

O trabalho de Rosa Carvalho revisita a pintura clássica para fazer a releitura de uma das suas temáticas mais recorrentes: a representação da mulher e do corpo feminino na história da arte. Conjuga formatos como a paisagem, a pintura religiosa, mitológica, sublime e onírica com as influências surrealistas, maneiristas, barrocas e rocaille, numa obra intelectual, crítica e irónica.

Na série “Paisagens de Interior”, Rosa Carvalho retoma pinturas icónicas de mestres incontestados como Rembrandt, Boucher, Velásquez, David e Goya, que representam figuras femininas nuas, em poses delicadas e diáfanas. Reencena-as rigorosa, laboriosa e virtuosamente excluindo, no entanto, a presença do corpo feminino, assim frustrando o desejo carnal e o consumo voyeurista. A libertação do elemento central da pintura e a sua consequente saída de cena oferece uma vida própria ao modelo, emancipando-o como mulher.

Com um propósito e um desígnio para além da disponibilidade para ser passivamente olhada, ela é finalmente “desobjetificada”. O jogo da ausência como presença corresponde também ao da encarnação como desencarnação, temática simultaneamente religiosa e de género que Rosa Carvalho radicalizará mais tarde em pinturas hiper-realistas de comida, e notadamente em Posta, na qual a pintura se faz literalmente carne.

Lígia Afonso
[Plano Nacional das Artes e Fundação Calouste Gulbenkian]
Curadora, professora e investigadora nascida em Lisboa em 1981
Texto originalmente escrito para a plataforma Google Arts & Culture a propósito da exposição “Tudo o Que Eu Quero, Artistas Portuguesas de 1900 a 2020”, comissariada por Helena de Freitas e Bruno Marchand