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Maria Augusta Bordalo Pinheiro

Lisboa, 1841 – Lisboa, 1915

Em 1913, no primeiro volume da Revista A Máscara, perto do fim de uma carreira que durou tanto como a vida, Maria Augusta de Prostes Bordalo Pinheiro é descrita como “a maior, se não a única grande artista, entre as mulheres portuguezas”. Assim começa a crítica a uma das exposições individuais que a artista fez no seu atelier. Esta afirmação não é um caso isolado. Seja a melhor mulher artista pelo seu tempo ou pela disciplina da história de arte, Maria Augusta Bordalo Pinheiro [MABP] foi de facto a que teve mais destaque e sucesso crítico na segunda metade dos anos 1800 e inícios do Modernismo, assim como a que teve maior projeção internacional. Primeiro como pintora e depois como rendeira, o reconhecimento do seu mérito artístico manteve-se por ter acompanhado, vivido e liderado de forma proactiva, original, discreta e confiante o espírito artístico do seu tempo nas artes consideradas “menores”.

Desenhadora, pintora, ceramista, rendeira, bordadeira, empreendedora e modelo, expôs em dezenas de exposições, mostrando centenas de obras. Foi também contratada para decoração de interiores, que inclui a decoração do Palácio Beau Séjour, em Lisboa, um projeto partilhado com os irmãos. Na renda, trabalhou com ouro e prata e uma grande variedade de pontos regionais portugueses, desenvolvendo o seu próprio ponto, o “Bordallo Pinheiro”.

Em atividade por várias décadas e com perícia em diversas disciplinas, Maria Augusta Bordalo Pinheiro viveu os últimos dias do Romantismo e todo o percurso do Naturalismo português nas suas vertentes de valor menos formalizado — desde a pintura de género a óleo, de pastel, de faiança e de interiores; ao revolucionar das artes têxteis do bordado e da renda. Uma produção sempre acompanhada pela sua mestria na composição.

Sendo artista numa casa de artistas, o desenho e a pintura eram ao mesmo tempo paixão e quotidiano. Irmã do pintor Columbano e do ilustrador, caricaturista, e ceramista Rafael, autores cuja obra foi bastante mais estudada, sabe-se que foi discípula do pai, o pintor Manuel Bordalo Pinheiro, e do irmão Columbano. Como muitas artistas mulheres do seu tempo, desenvolveu toda a sua aprendizagem e produção artística num contexto de atelier, primeiro familiar, depois independente. Não se sabe ao certo quando terá começado o estudo da renda de bilros, ensinada a jovens raparigas no seio da família mas é certo que estudou esta produção durante toda a sua carreira, dando uma nova vida a essa arte.

Esteve sediada em ateliers-oficinas na Rua das Taipas e na Rua do Tesouro Velho, em Lisboa, onde organizou várias exposições de “Rendas Portuguezas”. Estes lugares de produção de renda, onde também trabalhavam alunas e aprendizes, eram espaços de produção artística maioritariamente feminina. Ao contrário do vigente na época, as peças da oficina Bordallo Pinheiro que iam a exposição davam às operárias a oportunidade de assinar as suas peças com o seu próprio nome.

Entre 1881 e 1883, a artista acompanha o irmão Columbano a Paris para uma bolsa de estudo, servindo como companheira e modelo. Embora tenha sido pouco feliz na capital francesa, manteve contacto direto com artistas nacionais e internacionais, e com as grandes exposições do seu tempo, usufruindo das oportunidades que se apresentavam. Foi na capital francesa que desenvolveu projetos de pintura de cerâmica, prática comum entre senhoras da burguesia e alta sociedade, tendo sido a primeira dos irmãos a escolher esta arte, e exercendo influência no muito conhecido interesse que mais tarde Rafael Bordalo Pinheiro desenvolveu pela cerâmica das Caldas da Rainha.

Depois de regressar à capital, fez parte do Grupo de Leão, um coletivo de artistas que se encontrava no restaurante Leão d’Ouro, em Lisboa, e que organizava as “Exposições de Quadros Modernos”, e mais tarde “de Arte Moderna”. MABP participou também em exposições no Grémio e na Sociedade Promotora de Belas Artes. Como uma das “Senhoras Leoas”, esteve na vanguarda do Naturalismo português, como representante principal do estilo de pintura de flores, género que várias mulheres artistas praticavam. Enquanto pintora, MABP produziu também retratos de figuras históricas e naturezas mortas. A pintura florista, subgénero do Naturalismo com raízes nas naturezas mortas da arte barroca, era considerada por alguns como um género menor, e por outros como particularmente desafiante, já que implicava destreza na produção de cores e texturas, e composições realistas e sensíveis.

No final do século XIX, a obra de mulheres artistas era considerada amadora e com pouca seriedade artística. Os seus percursos eram condicionados, não lhes sendo permitido, por exemplo, frequentar aulas de anatomia, ou estudos artísticos formais. As exposições públicas marcavam momentos equalizadores entre amadores e artistas da Academia, notando-se mesmo assim um número considerável de artistas mulheres presentes nessas exposições. MABP destacou-se tanto pelo percurso individual da sua obra, como pela recepção positiva como artista e não apenas amadora, facto que se constata na crítica do seu tempo e no sucesso que conseguiu no mercado de arte, comparável e superior ao de artistas consagrados.

Simultaneamente à produção pictórica, a década de 1880 marca um período de aprofundamento de técnicas, por exemplo, no estudo das rendas de Peniche, de Viana do Castelo, Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Setúbal, Lagos, Silves, Bisa e Vila Nova do Famalicão. É feito um esforço de pesquisa, a nível nacional, dos vários pontos locais, as suas variações, originalidades e tendências. Em 1887, o seu percurso altera-se de forma significativa, ao ser convidada pela rainha para dirigir a sua Escola Industrial D. Maria Pia em Peniche.

A produção artística da disciplina da renda empregava milhares de operários e apelava ao público do virar do século em Portugal, por fazer coincidir e apaziguar dois pontos de fricção: a afirmação da arte portuguesa como indústria e herança, original e digna, e a questão da emancipação e sufrágio feminino. A arte da renda, considerada uma “prenda” feminina, era vista como aceitável. Muitas das críticas de imprensa de MABP destacavam o caráter “feminino” das artes têxteis na mesma linha que o definiam como “nacional”, uma atividade ao mesmo tempo admirável e segregada. Entre 1887 e 1915, MABP renovou a produção de bilros em Portugal. As obras da sua escola e oficinas competiram muitas vezes em exposições internacionais, onde atingiram os mais altos prémios e reconhecimento.

Figura incontornável pela originalidade e diversidade do seu percurso, pelo revivalismo que empreendeu em toda a produção de rendas nacional, e pelas reações positivas da crítica e do público da época, MABP ocupou em vida um lugar particular na história de arte portuguesa. Seria de esperar que essa história tivesse mantido este lugar. Um ano antes de MABP morrer, o plano inicial do Museu de Arte Contemporânea, dirigido por Columbano Bordalo Pinheiro, estava dividido em três salas, incluindo a Sala Maria Augusta.

Maria Duran Marques
Licenciada em Artes e Humanidades e Mestranda em História de Arte e Património pela Faculdade de Letras da UL. Pós-graduada em Curadoria de Arte pela FCSH - UNL. Nasceu em Lisboa em 1997
Retrato
Columbano Bordalo Pinheiro MNAC – Museu do Chiado @ DGPC