Maria Antonia Siza e um oceano Jose Grade2

Maria Antónia Siza

Porto, 1940 – Porto, 1973

Maria Antónia Siza foi criadora de muitas centenas de obras sobre papel, nomeadamente desenhos a tinta-da-china, aguarelas, guaches e gravuras, mas também de bordados e algumas pinturas. A sua produção ficará, no entanto, desconhecida do público até muito recentemente, quase meio século passado sobre a sua trágica morte, aos 32 anos.

O seu desenho é sobretudo figurativo, de expressão linear e registo caligráfico. Começava sempre por desenhar os pés aos personagens, que depois cresciam espontaneamente no papel em traços enérgicos, ascendentes e ziguezagueantes. Assim se revelavam seres surrealizantes, grotescos, deformados ou contorcidos, em ações e gestos indiscerníveis, mas individualizados, surgindo de pé, caídos no chão ou deitados numa cama. Estas figuras, homens e mulheres envelhecidos, decrépitos e agonizantes, parecem quase sempre flutuar.

Aglomeradas em constelações fantasmáticas, movimentam-se e equilibram-se em coreografias dinâmicas e melancólicas, de enorme complexidade e rigor compositivos, encenando gestos comuns e solidários. Outras, pelo contrário, aparecem isoladas, silenciosas e enigmáticas, sobre o fundo branco e vazio da página.

Inquietante e bizarro, delirante e fantástico, íntimo e trágico: assim se caracteriza o universo livre e pessoal de Maria Antónia Siza, um manifesto violento e brutal sobre a fragilidade da condição humana.

Lígia Afonso
[Plano Nacional das Artes e Fundação Calouste Gulbenkian]
Curadora, professora e investigadora nascida em Lisboa em 1981
Texto originalmente escrito para a plataforma Google Arts & Culture a propósito da exposição “Tudo o Que Eu Quero, Artistas Portuguesas de 1900 a 2020”, comissariada por Helena de Freitas e Bruno Marchand
Retrato
© José Grade