Margarida Relvas E um Oceano

Margarida Relvas

Golegã, 1862 – Riachos, 1930

A importância da fotografia na segunda metade do século XIX correspondia ao fascínio pelas novas tecnologias e pela maleabilidade da imagem como instrumento de registo, extensão do olho e dos limites da arte. A obra de Margarida Relvas focava-se em retratos e paisagens, com um interesse especial pelo Naturalismo e pelas realidades rurais onde a sua vivência se inseria. Do mesmo modo, participou na função social da fotografia, desenvolvendo as suas capacidades retratistas enquanto amadora. Tinha o seu próprio estúdio para uso não-comercial. A sua atividade tem sido objeto de vários estudos, embora muitas das suas obras se encontrem hoje em coleções privadas e públicas, e pouco acessíveis ao público.

O percurso artístico de Margarida Relvas como fotógrafa inicia-se cedo e termina cedo, dos 13 aos 20 anos, um percurso curto e fulgurante que a estabelece como a melhor artista amadora a nível nacional e referência internacional do circuito de concursos e publicações fotográficas. As suas fototipias incluíam técnicas variadas – colódio húmido, gelatina, albumina, carvão, tintas litográficas – recebendo elogios generalizados pela perfeição técnica e enquadramento, apesar da suspeita preconceituosa por alguns de que as suas obras galardoadas seriam realmente da autoria do seu pai.

A sua atividade expositiva e os sucessos conseguidos em exposições internacionais fazem com que Margarida Relvas seja considerada a primeira fotógrafa portuguesa, embora de facto várias outras fotógrafas tenham agido, publicado e aberto estúdios de fotografia, A Rainha D. Maria Pia, e Maria E. R. Campos (os seus estúdios tiveram grande sucesso comercial), foram algumas das suas contemporâneas fotógrafas.

À semelhança do seu pai, o político e fotógrafo Carlos Relvas, Margarida Relvas desenvolveu a sua atividade fotográfica dentro do contexto das primeiras épocas da democratização da prática, num período de experimentação e aperfeiçoamento técnicos. Quem exercesse a fotografia, nos finais do século XIX e inícios do século XX, de forma amadora ou profissional, tinha a necessidade de estudar, aprofundar e manter-se ao corrente dos conhecimentos mais avançados, prática que implicava um conhecimento prático de matemática, química e física. A exploração dos materiais e dos processos era acompanhada pelo inovar da perspetiva, dos efeitos de luz, cor, proximidade e foco.

Periódicos nacionais e internacionais dedicados à prática da fotografia permitiam criar ligações, partilhar conhecimentos e publicar obras. A presença recorrente na imprensa torna Margarida Relvas um nome de referência na fotografia nacional do seu tempo.

Representou repetidas vezes o seu país nas grandes competições e exposições internacionais. Foi uma das primeiras colaboradoras da publicação nacional Arte Photographica, participando no momento central de afirmação da fotografia como arte em Portugal. O seu trabalho esteve presente na Primeira Exposição Internacional de Fotografia do Porto. Entre as publicações onde a sua obra e nome são referidos encontram-se o Moniteur de la Photographie, Photographic News, Anthony’s Photographic Bulletin, Bulletin Belge de la Photographie, Philadelphia Photographer, Ilustração Universal, Volta ao Mundo, O Occidente e Correspondência de Figueira.

Dentro deste contexto, a fotografia de Margarida Relvas possuía um cunho original e independente, influenciada pelo Naturalismo da Escola de Barbizon e os modelos representativos do tempo. Desenvolve um estilo único, com uma perspetiva artística mais do que documental. Fortemente influenciada pela “escola Carlos Relvas”, produziu fotografias paisagísticas regionalistas, assim como retratos, e em particular destaca-se pelos seus estudos de “clichés”, disposições de objetos que estabeleciam uma ligação direta com o desenho e pintura de naturezas-mortas. Aborda o meio rural com uma relação viva, favorecendo cenas centralizadas com um olhar penetrante e focado.

Aos benefícios do atelier do pai – moderno e completo de funcionalidades, com espaços para desenvolvimento de várias técnicas, juntava-se a liberdade e concentração conseguidas no seu próprio atelier, um espaço isolado do resto da propriedade, a room of one’s own que lhe permitia liberdade de estudo na prática.

A importância das tecnologias e espaços de revelação para a prática fotográfica limitava o acesso a essa atividade mas a prática de Margarida Relvas insere-se num panorama nacional com considerável presença e protagonismo feminino, com o aparecimento de estúdios de fotografia dirigidos por mulheres. A câmara servia como uniformizadora, pois o conhecimento especializado das técnicas não implicava um percurso académico, embora os meios necessários para a prática exigissem uma certa independência de recursos.

Relvas casa em 1886, momento que marca o seu afastamento do seu estúdio de fotografia independente. A morte da sua mãe e o corte de relações com o pai diminui o seu acesso aos meios de produção e exposição de fotografia, segundo Paula Cristina Viegas e a sua tese, “Mulheres Fotógrafas em Portugal (1844-1918)”. A participação na Exposição Internacional de Fotografia do Porto marca a sua última grande participação em eventos públicos. Dedica-se pouco à fotografia a partir daí, concentrando-se na pintura e desenho.

Maria Duran Marques
Licenciada em Artes e Humanidades e Mestranda em História de Arte e Património pela Faculdade de Letras da UL. Pós-graduada em Curadoria de Arte pela FCSH - UNL. Nasceu em Lisboa em 1997
Retrato
Retrato de José Malhoa