Brites
Bárbara Bulhão
Nas palavras da própria escultora o seu trabalho investiga “a passagem do tempo”. A expor de forma regular desde 2013, a prática de Bárbara Bulhão é marcada pela linha de vida, e pela presença dos elementos essenciais e clássicos: água, ar, terra, fogo. Seja por meio de uma linha do horizonte que percorre uma série de telas manipuladas pela luz; por pigmentos de diferentes tons—de azul, amarelo, e rosa, atirados para o chão, como um erro ou acidente; por uma volta ao sol dada por meio de um bambolê folheado a ouro; ou por fotografias que fazem um arquivo vivo do céu em diferentes segundos, minutos, horas, dias, e mais.
Mesmo utilizando outros suportes, como a instalação, a fotografia, e a pintura, para melhor servir as suas intenções e instintos, Bárbara Bulhão é escultora e de forma contínua faz e fala de escultura. A utilização de outros suportes é feita apenas quando as três dimensões tout court não se apresentam adequadas para transmitir determinada ideia. Apesar de terem uma estrutura conceptual, as suas esculturas, muitas vezes site-specific, não têm medo de confrontar o espectador com emoções, sensações, coisas que não conseguimos nomear, ou o realçar de falhas na nossa busca eterna de comunicação com a outra pessoa. O que se quer é que quem observa a obra de arte não tenha medo do que aí vem, seja ou não, uma versão do chamado síndrome de Stendhal.
“Água Temperamental”, a sua primeira individual em Lisboa, na Zaratan (2018), tornou-se uma exposição charneira no seu corpo de trabalho, já que muitas das obras apresentadas afinaram as intenções da artista em utilizar a sua experiência emocional, o seu estado de espírito, e claro a sua própria biografia para confrontar o espetador. Exemplos disso são as obras, “Um canto para chorar” (2018), uma escultura de canto feita com sal, ou “Cura” (2018), uma série de copos de “águas” coloridas (com o remédio Betadine, por exemplo) trazidas de locais precisos relacionados com a biografia da artista, por onde passou: água do Alentejo, da casa da artista, do seu atelier, da escola. Águas carregadas de significado e biografia que são águas do mar, do rio, da torneira, e da fonte.
A Escola Artística António Arroio, continua a ter, de geração em geração, uma grande importância nas primeiras experimentações no domínio da expressão artística. Assim aconteceu com Bulhão, que aí percebeu o seu gosto pela disciplina da escultura, através de primeiros ensaios em joalharia. Depois disso, a sua formação artística foi uma trilogia de experiências bem diferentes e quase opostas entre si. Voltou a Évora, onde a licenciatura em escultura (Escola de Artes da Universidade de Évora, 2013) foi feita numa escola aberta à materialidade, e onde o espaço de atelier apresentava condições excepcionais para trabalhar a grande escala. De regresso a Lisboa, o mestrado é feito nas Belas-Artes (2015), onde o Convento de São Francisco é conhecido pela escassez de espaço de trabalho para os alunos. Para rematar estas experiências tão diversas, especialmente a quem dê predileção pela escultura, a formação terminou com uma passagem pelo Independent Study Programme da Escola Maumaus (2016), dominado pela filosofia, estética, e por problemáticas atuais.
A formação de Bulhão, um vaivém entre as condições do espaço físico e o domínio, ou não, de um cariz mais filosófico ou histórico, teve consequências positivas na sua prática de artista: tornou-a plural e com grande facilidade em navegar suportes e práticas, e dotou a sua obra de uma coluna vertebral que assume uma consciência social e política sem a separar de uma procura de maturidade emocional por dentro do mundo, individual e colectivo.